Separação Obrigatória de Bens e a Possibilidade de Pacto para Afastar a Súmula 377 do STF
- Thais Marachini
- há 4 dias
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O regime da separação obrigatória de bens é tradicionalmente associado à proteção patrimonial em casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoas que se enquadram em hipóteses legais específicas, como idade avançada, ausência de observância às causas suspensivas do casamento ou necessidade de suprimento judicial de consentimento.
Ocorre que, historicamente, a Súmula 377 do STF flexibilizou os efeitos desse regime, permitindo que os bens adquiridos onerosamente durante o casamento fossem comunicados entre os cônjuges, desde que houvesse prova do esforço comum. Essa interpretação gerou insegurança jurídica, principalmente em casamentos e uniões estáveis onde a intenção real era a completa separação patrimonial.
O Enunciado 634 das Jornadas de Direito Civil surge como resposta a essa insegurança, permitindo que as partes reforcem, por pacto antenupcial ou contrato de convivência, a aplicação integral da separação de bens, afastando os efeitos da Súmula 377.
1. Base Legal: Art. 1.641 do Código Civil
O artigo 1.641 do CC prevê:
“Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento:
I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento;
II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos;
III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial.”
Nessas hipóteses, a lei impõe separação obrigatória de bens para proteger o patrimônio pré-existente e evitar prejuízos econômicos desproporcionais.
2. A Súmula 377 do STF e o problema da comunicação de bens
A Súmula 377, editada pelo STF, dispõe:
“No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento.”
A jurisprudência evoluiu para condicionar essa comunicação à prova de esforço comum, mas, na prática, tal prova é muitas vezes presumida, resultando na divisão de bens adquiridos durante o relacionamento, algo que contraria a expectativa de quem se casou ou iniciou união estável sob separação obrigatória.
3. O Enunciado 634 e sua solução
O Enunciado 634 estabelece: “Art. 1.641: É lícito aos que se enquadrem no rol de pessoas sujeitas ao regime da separação obrigatória de bens (art. 1.641 do Código Civil) estipular, por pacto antenupcial ou contrato de convivência, o regime da separação de bens, a fim de assegurar os efeitos de tal regime e afastar a incidência da Súmula 377 do STF.”
O que isso significa na prática?
Mesmo quando a lei impõe separação obrigatória, os noivos ou companheiros podem formalizar pacto antenupcial (casamento) ou contrato de convivência (união estável) para reiterar expressamente que não haverá comunicação de bens adquiridos onerosamente durante o relacionamento.
Esse documento afasta a aplicação da Súmula 377, evitando disputas patrimoniais futuras.
4. Exemplo prático
Situação sem pacto:
Carlos, 72 anos, casa-se com Ana, 50. Compram um imóvel durante o casamento. Com base na Súmula 377, Ana poderá pedir metade do bem alegando esforço comum, mesmo no regime legal de separação obrigatória.
Situação com pacto/contrato conforme Enunciado 634:
Carlos e Ana, antes do casamento, firmam pacto antenupcial registrando que o regime é de separação total de bens, afastando expressamente a incidência da Súmula 377. Nesse caso, Ana não terá direito ao imóvel adquirido por Carlos com recursos próprios.
5. Fundamentos para validade do pacto
Autonomia privada (art. 421 e 425 do CC): as partes podem ajustar cláusulas dentro dos limites legais.
Princípio da segurança jurídica: evita litígios futuros.
Força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda): o ajuste firmado com observância das formalidades legais vincula as partes.
Prevenção de litígios: documento serve como prova inequívoca da intenção de manter a separação patrimonial integral.
6. Cuidados formais para eficácia
Casamento: pacto antenupcial em escritura pública, registrado no Cartório de Registro Civil e no Cartório de Registro de Imóveis (se houver bens imóveis).
União estável: contrato de convivência em escritura pública ou instrumento particular registrado em Cartório de Títulos e Documentos.
Cláusula clara afastando a incidência da Súmula 377.
Orientação e assessoria jurídica especializada.
Conclusão
O Enunciado 634 representa importante avanço na proteção patrimonial e na autonomia privada das partes que se enquadram no regime de separação obrigatória de bens. Ao permitir que se firme pacto antenupcial ou contrato de convivência para afastar os efeitos da Súmula 377 do STF, o enunciado traz clareza, segurança jurídica e efetividade ao regime escolhido ou imposto pela lei.
Em tempos de famílias plurais e patrimônio cada vez mais diversificado, essa é uma ferramenta indispensável no planejamento patrimonial e sucessório, especialmente para advogados que atuam de forma preventiva, evitando longos e custosos litígios após a dissolução da união.
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