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Entre o empoderamento e a responsabilidade: o que a ‘vergonha de ter namorado’ revela sobre os novos contratos afetivos

  • Foto do escritor: Thais Marachini
    Thais Marachini
  • há 3 dias
  • 3 min de leitura

Em outubro de 2025, a British Vogue publicou um artigo provocativo intitulado “Is having a boyfriend embarrassing now?” (“Ter namorado virou motivo de vergonha?”).

A autora, Chanté Joseph, apontou uma tendência crescente nas redes sociais: muitas mulheres têm evitado expor seus relacionamentos, preferindo manter a vida afetiva discreta — quase como se amar, hoje, fosse um ato que diminui a autonomia conquistada.


O tema, à primeira vista curioso, na verdade reflete uma ruptura profunda nos papéis sociais e afetivos femininos.

Durante séculos, o casamento foi visto como o destino natural e socialmente exigido da mulher.

Hoje, a mulher redefine esse lugar — não mais como apêndice de uma relação, mas como protagonista de sua própria história.


1. Da dependência ao protagonismo: a quebra de um paradigma


Até poucas décadas atrás, a mulher precisava “ser de alguém” para “ser alguém”.

A identidade feminina estava vinculada ao estado civil, ao sobrenome do marido, ao lar e à reputação familiar.


O amor era um projeto social imposto, não necessariamente um projeto de vida escolhido.

Com a entrada massiva das mulheres no mercado de trabalho, o avanço da educação e a consolidação dos direitos civis e familiares (CF/88, CC/2002), essa dependência começou a ruir.


O casamento deixou de ser a “obrigação moral” e passou a ser uma opção entre muitas formas possíveis de realização pessoal.

É essa liberdade que a Vogue retrata, ainda que de forma provocativa:


a mulher contemporânea não precisa mais do amor para ser validada socialmente e, em alguns círculos, teme ser lida como frágil ou submissa por assumir publicamente um relacionamento.


2. O novo desafio: liberdade sem ilusão


Mas a emancipação, embora libertadora, trouxe um novo tipo de desequilíbrio: a normalização das relações sem compromisso.


Em nome da independência, muitos passaram a tratar o amor como um “teste”, uma experiência emocional descartável.


Há um medo de se vincular, de parecer vulnerável, de perder o controle.


O resultado é o aumento dos vínculos ilusórios, das relações indefinidas — aquelas em que se compartilham momentos, planos e intimidade, mas sem responsabilidade emocional.


Não há problema em tentar, em errar, em recomeçar.


O problema é fingir compromisso onde só há conveniência.


A liberdade não elimina a ética.



3. A palavra ainda tem valor: o papel do Direito nas relações afetivas



O Direito não obriga ninguém a amar, mas protege quem age de boa-fé.


Se uma relação se constrói sobre promessas, convivência pública e planos compartilhados, a ruptura injustificada — especialmente quando envolve traição pública, exposição ou prejuízo moral — pode gerar dever de indenizar.


É nesse cenário que surge o contrato de namoro:


um instrumento que não burocratiza o afeto, mas traz clareza e segurança jurídica sobre o que se pretende.


Ele serve para:


  • definir que o vínculo é um namoro, e não uma união estável;

  • estabelecer prazos, reavaliações e intenções;

  • e, em alguns casos, incluir cláusulas simbólicas de respeito ou indenização por infidelidade.



Mais do que um documento, é uma forma moderna de dizer:


“Estamos juntos por escolha, com lealdade e transparência. Se o sentimento mudar, que a saída também seja honesta.”



4. O amor como escolha — e a responsabilidade como valor



A mulher que constrói carreira, identidade e independência não rejeita o amor — rejeita a ideia de que ele a defina.


Mas essa liberdade não é sinônimo de descuido.

Relacionar-se é um ato de reciprocidade, não de conveniência.


O amor deixou de ser um dever social e passou a ser um contrato de vontade.


E, como em todo contrato, a palavra tem validade jurídica e moral.


Cumpri-la é um ato de respeito — consigo mesma e com o outro.



Conclusão



A geração que tem “vergonha de ter namorado” talvez não sinta vergonha do amor, mas da dependência que ele um dia representou.


E isso é avanço.


Mas quando a independência se transforma em indiferença, algo se perde.


A maturidade afetiva está em unir autonomia com responsabilidade, liberdade com empatia, escolha com verdade.


Não há vergonha em amar.


Vergonhoso é prometer o que não se pretende cumprir.


O Direito apenas traduz, em norma, aquilo que deveria ser regra moral:


a boa-fé, a lealdade e a clareza nas relações humanas.

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©2021 por Advogada Thais Marachini

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