Direito de Herança na Sucessão Legítima e a Testamentária
- Thais Marachini
- há 14 minutos
- 4 min de leitura
A exclusão sucessória (ou perda do direito à herança) é tema que combina direito material e processual, princípios constitucionais e regras específicas do Código Civil. A análise técnica exige distinguir claramente:
(i) a tutela constitucional do direito de herança;
(ii) a eficácia automática da transmissão hereditária (princípio da saisine); e
(iii) os modos e limites pelos quais a lei admite que alguém seja excluído da sucessão, pela própria vontade do testador (testamentária) ou por causa de uma norma que impede ou restringe a vocação sucessória (legítima).
Neste artigo, tratarei desses elementos.
1. O direito de herança como direito fundamental
A Constituição de 1988 consagrou o direito de herança entre as garantias individuais, art. 5º, inciso XXX.
Implicações práticas:
O reconhecimento constitucional impõe ao intérprete e ao julgador um limite valorativo: a sucessão não é matéria meramente patrimonial; toca direitos fundamentais (proteção da propriedade e da família).
Entretanto, o direito à herança é condicionado ao ordenamento civil: não é absoluto. A própria Constituição permite (e o Código Civil regula) situações de exclusão (indignidade, incapacidade para ser herdeiro/legatário, renúncia etc.). O equilíbrio entre a tutela constitucional e as limitações legais é, portanto, a chave da análise sucessória.
2. O princípio da saisine (transmissão imediata da herança) e sua relação com a exclusão
O princípio da saisine significa que a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários com a abertura da sucessão, isto é, com a morte do de cujus (art. 1.784 do CC).
Consequências essenciais:
A transmissão é imediata e automática (direito adquirido instantaneamente pelos herdeiros), embora a partilha só se concretize posteriormente. Isso gera efeitos práticos na posse, na administração e na responsabilidade por encargos.
Renúncia, indignidade ou ausência de capacidade tornam-se relevantes porque, embora a transmissão inicial ocorra ex lege, ela pode ser desconstituída retroativamente (por exemplo, renúncia que retroage — arts. 1.804, parágrafo único e seguintes) ou porque a lei impede que determinada pessoa seja considerada herdeira, de modo que a titularidade efetiva é refratada por normas impeditivas.
Ponto prático-processual: enquanto se discute em juízo a validade do direito hereditário (ex.: ação de anulação de testamento, prova de indignidade), a saisine torna complexa a tutela provisória: bens já estão na titularidade dos chamados, cabendo medidas cautelares para protegê-los até a decisão final.
3. Mecanismos de exclusão: breve panorama normativo
A exclusão sucessória decorre de fontes diferentes, que convém separar para evitar confusão:
A. Exclusão legal (impossibilidade de nomeação / nulidade):
O Código Civil contém vedações expressas sobre quem não pode ser nomeado herdeiro ou legatário (art. 1.801) e situações que acarretam nulidade das disposições testamentárias (art. 1.900). Essas hipóteses não dependem da vontade do testador; são normas de ordem pública para resguardar valores como a probidade, a autenticidade do ato e a proteção de interesses incapazes.
B. Exclusão por ato do testador (cláusulas condicionais e penalidades testamentárias):
O testador pode colocar condições (resolutivas) ou cláusulas que afastem o direito de um beneficiário caso este pratique determinado ato (por exemplo, ajuizamento de ação contra o espólio). Todavia, há limites: cláusulas contrárias à ordem pública, à legítima ou que imponham ônus manifestamente desproporcionais podem ser reduzidas ou anuladas. O julgador interpreta segundo a vontade real do testador, princípio que guia a interação entre autonomia privada e proteção legal.
C. Exclusão comportamental (indignidade):
A indignidade sucessória afasta do gozo da herança aquele que tenha praticado atos gravemente reprováveis: homicídio, coação, fraude contra a herança, entre outros. A declaração de indignidade depende de provimento judicial, com contraditório e provas robustas.
D. Renúncia e aceitação:
A renúncia produz efeitos retroativos: o renunciante é considerado como se nunca tivesse sido herdeiro, o que impacta a distribuição final (art. 1.804 e parágrafo único). Isso tem relevância prática para o destino da cota renunciada (direito de acrescer, substituição, ou vaga repartida entre os legítimos).
4. Diferença prática entre exclusão na sucessão legítima e na testamentária
É crucial manter a distinção, porque a técnica jurídica e as consequências variam.
A. Sucessão legítima (ordem legal):
A exclusão aqui decorre de normas que regulam a vocação hereditária (quem tem direito sucessório por lei). Exemplos: ausência de parentesco, indignidade, incapacidade (quando aplicável) e renúncia. A ordem pública protege a legítima (quota dos herdeiros necessários), limita a liberdade do testador quanto à parte disponível.
B. Sucessão testamentária (autonomia do testador):
O testamento traduz a vontade do autor da herança; em regra, o testador pode dispor da parte disponível, instituir legatários, impor encargos, disciplinar condições e cláusulas penais. Todavia, essa autonomia está limitada pela proteção da legítima e pelas vedação de disposições nulas (art. 1.900). Além disso, o testador não pode, por exemplo, instituir herdeiro em contravenção às proibições legais.
Diferenças decisivas na prática forense:
Quem decide o que prevalece? Na colisão entre a vontade testamentária e a proteção legal dos herdeiros necessários, o juiz aplica critérios de interpretação (preservação da vontade quando possível; redução proporcional das disposições excessivas)
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Quem prova o que? Em impugnações testamentárias (incapacidade, vícios, coação), o ônus da prova costuma recair sobre o impugnante; na análise da nulidade objetiva (ex.: testamento em favor de pessoa expressamente impedida), a própria norma pode levar à declaração de nulidade sem maiores elucidações factuais.
Efeitos patrimoniais imediatos: pela saisine, os chamados ao quinhão (legítimos ou testamentários) recebem direitos imediatos; a exclusão (ou declaração de nulidade) produz efeitos retroativos sobre essa transmissão, gerando necessidade de reparcelamento do monte-mor.
Conclusão
A exclusão sucessória é território onde se encontram a autonomia privada do testar e os limites protetores do direito de herança. A Constituição assegura o direito de herança (art. 5º, XXX), mas confere ao legislador (Código Civil) os parâmetros para delimitar quem, quando e por que pode ser excluído da vocação hereditária. A saisine confirma que a transmissão é imediata, circunstância que atribui caráter prático (e urgente) às impugnações e às medidas cautelares. No plano prático-forense, a tarefa do advogado experiente consiste em traduzir o equilíbrio entre vontade e proteção; preservando, quando possível, a última vontade do testador; contestando, quando necessário, abusos e fraudes que visem desconstituir os direitos dos verdadeiros titulares.
Por Thaís Marachini Freitas – Advogada (OAB/SP 451.886)
Especialista em Direito de Família e Sucessões
📩 contato profissional: thais_marachini@hotmail.com









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