Direito de Acrescer e Substituição Testamentária
- Thais Marachini
- há 21 horas
- 5 min de leitura
A sucessão testamentária é o espaço por excelência da autonomia privada na transmissão causa mortis. Contudo, “a vontade do testador é sempre uma vontade projetada para o futuro, e, por isso mesmo, vulnerável”.
Morte anterior do beneficiário, renúncia, incapacidade superveniente, indignidade, não verificação de condição, vício de forma, entre tantos outros fatores, podem comprometer a eficácia da disposição de última vontade.
É nesse cenário que emergem dois institutos centrais do Direito das Sucessões brasileiro:
(i) o Direito de Acrescer (arts. 1.941 a 1.946 CC)
(ii) a Substituição Testamentária (arts. 1.947 a 1.950 CC)
Ambos buscam solucionar o mesmo problema — a quota vaga — mas o fazem por técnicas distintas e com efeitos drasticamente diferentes.
Na prática forense, a má compreensão desses institutos:
· provoca nulidades parciais;
· acarreta caducidades indesejadas;
· reintegra bens ao monte, contra a vontade do testador;
· produz litígios entre legatários e herdeiros legítimos;
· resulta em transferência patrimonial diversa daquela desejada pelo de cujus.
Este artigo demonstra, sob perspectiva avançada, como esses institutos se articulam, quando se excluem mutuamente, quando convergem, e como devem ser manejados no planejamento sucessório.
2. O Direito de Acrescer: Presunção Legal da Vontade Comum
O direito de acrescer (jus accrescendi) não é faculdade do testador; é uma presunção legal de que o testador desejaria que o grupo de beneficiários, chamados conjuntamente, recebesse integralmente a disposição.
Exemplo prático
Testamento: “Deixo minha casa para ANA, BRUNO e CARLOS.”
Se CARLOS renuncia → sua parte é acrescida aos demais.
Conjuntividade como elemento estruturante
A leitura combinada dos arts. 1.941 e 1.942 revela que a conjunção é elemento material indispensável para a incidência do acréscimo:
· nos herdeiros, a conjunção exige indeterminação de quinhões;
· nos legatários, a conjunção exige unidade do objeto (indivisível ou risco de depreciação).
Essa diferença é sutil, mas profundamente jurídica:
→ No legado, a indivisibilidade importa mais que a medida da quota.
→ Na herança, a indeterminação da quota importa mais que o objeto.
Há, portanto, dois regimes jurídicos completamente distintos, ainda que sob o mesmo nomen juris.
2.2. As hipóteses legais de incremento (art. 1.943)
O jus accrescendi incide quando o beneficiário:
· morre antes do testador (pré-morte);
· é incapaz;
· é excluído por indignidade;
· renuncia;
· não cumpre condição suspensiva.
Essas hipóteses refletem a lógica de que o direito não tolera lacunas sucessórias em disposições conjuntas.
3. A Substituição Testamentária: A Soberania da Vontade do Testador
A substituição é a forma mais sofisticada de proteção da vontade testamentária.
Enquanto o direito de acrescer é presunção legal, a substituição é declaração expressa da intenção do testador, pois é o mecanismo que permite ao testador “diagramar futuros”, prever contingências e ordenar prioridades.
3.1. Regra de prevalência: substituição afasta o direito de acrescer
O art. 1.943 é inequívoco: "Salvo o direito do substituto..."
Isto é, havendo substituto, este sempre prevalece sobre o acrescimento.
4. Modalidades de Substituição: Vulgar, Recíproca e Fideicomissária
4.1. Substituição Vulgar (art. 1.947)
É a regra geral: o substituto assume a herança ou o legado caso o instituído não possa ou não queira recebê-lo.
“Art. 1.947. O testador pode substituir outra pessoa ao herdeiro ou ao legatário nomeado, para o caso de um ou outro não querer ou não poder aceitar a herança ou o legado, presumindo-se que a substituição foi determinada para as duas alternativas, ainda que o testador só a uma se refira.”
Não importa o motivo: renúncia, morte prévia, indignidade ou condição não verificada.
✔ É a técnica mais segura para evitar caducidade.
✔ Pode existir sem conjuntividade.
✔ Pode ser cumulativa (vários substitutos para o mesmo beneficiário).
Exemplo: “Deixo minha fazenda a Pedro; na falta dele, a João.”
4.2. Substituição Recíproca
Conhecida como substituição vicária, é utilizada quando dois ou mais beneficiários se substituem mutuamente.
Exemplo típico:
“Instituo herdeiros meus filhos A e B, substituindo-se reciprocamente.”
Efeitos:
· Se A faltar, B recebe sua parte integral.
· Se B faltar, A absorve tudo.
· Afastamento total do direito de acrescer.
· Grande segurança em famílias com poucos sucessores.
4.3. Substituição Fideicomissária (arts. 1.951-1.952)
É a modalidade mais restrita e com maior densidade técnica.
Envolve dois beneficiários:
· Fiduciário → recebe primeiro, mas com limites.
· Fideicomissário → recebe numa segunda etapa.
Elemento crucial: prazo máximo para existência da pessoa substituída
O art. 1.800, §4º, determina:
“A prole eventual deve estar concebida dentro de 2 anos da abertura da sucessão.”
Portanto, o fideicomissário não pode ser um ser eternamente possível.
Se não existir ou se não houver concepção em até 2 anos → a substituição caduca.
✔ Essa é uma das cláusulas mais esquecidas na prática notarial.
✔ Evita perpetuidade sucessória.
✔ Evita engessamento patrimonial por décadas.
5. O Substituto como “Personagem de Reserva”
O substituto é o personagem secundário da sucessão: atua apenas na queda, mas garante o espetáculo.
Ou seja:
· é garantidor estrutural da vontade do testador;
· é mecanismo de estabilização;
· impede soluções legais contraintuitivas;
· deve ser escolhido de forma estratégica, nunca aleatória.
A escolha do substituto exige análise técnica:
· quem o testador realmente deseja que receba se o principal faltar?
· há risco de conflito?
· há risco de indignidade?
· é preciso preservar o patrimônio dentro do mesmo núcleo familiar?
O substituto é o testador pensando juridicamente o futuro.
6. Direito de Acrescer x Substituição: Quadro Comparativo Avançado
Elemento | Direito de Acrescer | Substituição |
Natureza | Presunção legal | Manifestação expressa da vontade |
Conjunção | Obrigatória | Irrelevante |
Quotas determinadas | Impede o acrescer | Não impede substituição |
Prevalência | Subsidiário | Prevalente |
Finalidade | Evitar quota vaga | Escolher beneficiário sucessivo |
Campo de aplicação | Limitado pelas regras do CC | Amplo |
Risco | Não opera se forma errada | Operação sempre que prevista |
Efeito | Aumenta a parte dos co-beneficiários | Transfere a parte a terceiro |
7. Exemplos Estruturados e Complexos
Exemplo 1 — Testamento com falha de técnica
“Deixo 20% do meu patrimônio disponível para cada um de meus afilhados: A, B e C.”
· quotas determinadas → não há direito de acrescer
· nenhum substituto → caducidade parcial
· retorna ao monte → vai para sucessão legítima
· resultado: patrimônio vai para herdeiros não desejados.
Exemplo 2 — Arquitetura correta
“Instituo legatários de meu imóvel X os meus amigos A, B e C, em partes iguais, substituindo-se reciprocamente.”
Efeitos:
· conjunção preservada
· substituição afasta lacuna
· jamais haverá retorno ao monte
· vontade absolutamente preservada
Exemplo 3 — Fideicomisso com prazo resolutivo
“Instituo fiduciária minha filha L.Fideicomissários os filhos que ela vier a conceber no prazo de 2 anos de minha morte.”
→ solução perfeita juridicamente
→ evita perpetuidade
→ protege linhagem direta
→ limita insegurança patrimonial
→ evita caducidade futura
8. Conclusão Geral
O testamento não se resume a disposições patrimoniais: é um projeto jurídico de futuro. A técnica empregada ou a ausência dela, determina o fracasso ou o êxito da vontade do testador.
✔ A substituição protege intenções específicas.
✔ O substituto é o guardião da arquitetura sucessória.
✔ A ausência desses mecanismos entrega o destino do patrimônio à lei — não ao testador.
Um testamento robusto é aquele que:
· prevê falhas,
· antecipa contingências,
· integra substituições adequadas,
· utiliza ou afasta conscientemente o jus accrescendi,
· e garante, acima de tudo, a prevalência da autonomia privada.
Por Thaís Marachini Freitas – Advogada (OAB/SP 451.886)
Especialista em Direito de Família e Sucessões
📩 contato profissional: thais_marachini@hotmail.com









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