A Prevalência da Vontade do Testador e a Flexibilização das Formalidades: Análise do REsp 2.161.100/SC (STJ, 2025)
- Thais Marachini
- há 21 horas
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A sucessão testamentária é campo em que se equilibram técnica jurídica, autonomia privada e segurança patrimonial. Entretanto, práticas equivocadas ainda levam muitos herdeiros a buscarem a anulação de testamentos com base em formalismos excessivos ou interpretações distorcidas das incapacidades do testador.
O Superior Tribunal de Justiça, em diversas oportunidades, tem afirmado que o centro de gravidade do testamento é a vontade real do testador, e não o formalismo vazio. O recente REsp 2.161.100/SC (DJe 06/03/2025) consolida essa compreensão, reafirmando que não se declara nulo um testamento quando não há prejuízo à higidez da manifestação de vontade.
2.1. A ausência de impedimento das testemunhas instrumentárias: a interpretação correta do art. 228 do CC
O recorrente sustentou a nulidade do testamento porque as testemunhas instrumentárias eram pai e filha da beneficiária. A alegação se baseou no art. 228 do Código Civil, que trata das testemunhas proibidas em processo judicial.
“Art. 228. Não podem ser admitidos como testemunhas:
I - os menores de dezesseis anos;
IV - o interessado no litígio, o amigo íntimo ou o inimigo capital das partes;
V - os cônjuges, os ascendentes, os descendentes e os colaterais, até o terceiro grau de alguma das partes, por consangüinidade, ou afinidade.”
O STJ foi categórico:
O art. 228 não se aplica a testemunhas de testamento.
O dispositivo pertinente é o art. 1.801 do CC, que descreve quem não pode ser herdeiro ou legatário, e não quem não pode testemunhar o ato.
Não existe proibição legal que impeça que testemunhas instrumentárias sejam parentes da beneficiária, desde que não sejam elas próprias beneficiadas ou interpostas pessoas (art. 1.802 CC).
“Art. 1.802. São nulas as disposições testamentárias em favor de pessoas não legitimadas a suceder, ainda quando simuladas sob a forma de contrato oneroso, ou feitas mediante interposta pessoa.
Parágrafo único. Presumem-se pessoas interpostas os ascendentes, os descendentes, os irmãos e o cônjuge ou companheiro do não legitimado a suceder.”
Além disso, o Tribunal deixou claro:
“A função das testemunhas instrumentárias é apenas presenciar a declaração de vontade — não prestam depoimento, não influenciam, não produzem prova.”
Portanto, não houve vício formal capaz de comprometer o ato.
2.2. Capacidade testamentária: Alzheimer não implica, automaticamente, incapacidade civil
Outro argumento central era o de que a testadora sofria de Alzheimer, doença que constava como causa secundária de morte, e por isso não teria discernimento no momento do testamento.
O Tribunal rejeitou a tese com fundamentos sólidos:
A data do testamento era anterior em anos ao falecimento — não há laudo, exame ou prova técnica demonstrando incapacidade na data da lavratura.
O depoimento da tabeliã, dotada de fé pública, afirmou que a testadora:
estava lúcida, orientada e consciente;
compreendia o ato;
declarava com firmeza a intenção de beneficiar a ré.
Testemunhas que relataram confusão mental não estavam presentes na data exata do ato e não apresentaram prova técnica.
O STJ reafirmou sua posição tradicional:
A capacidade do testador presume-se; a incapacidade deve ser provada de forma robusta, inequívoca, e contemporânea ao ato.
E mais:
“Alzheimer em estágio inicial NÃO invalida automaticamente o testamento.”
2.3. Flexibilização das formalidades: quando o rigor cede à proteção da vontade
O acórdão seguiu firme na orientação de que o formalismo do testamento é instrumental, e não um fim em si.
A Ministra Relatora citou :
“A ausência de formalidade só invalida o testamento se comprometer a higidez da manifestação de vontade.”
No caso concreto:
a testadora declarou claramente que queria deixar todo o patrimônio à beneficiária;
a estimativa de R$ 50 mil era apenas referência para fins de emolumentos — não limitação da liberalidade.
Assim, não havia motivo para restringir a disposição.
2.4. O valor estimado do patrimônio: por que não limita o testamento
O recorrente alegou que, como o testamento mencionava patrimônio estimado em R$ 50 mil, a beneficiária deveria receber apenas esse valor.
O Tribunal corretamente destacou:
Testamentos não exigem descrição minuciosa ou valor exato.
O testador indicou “todo o seu patrimônio”, e não “R$ 50 mil”.
O valor foi apenas estimativo, não vinculante.
Conclusão
O REsp 2.161.100/SC reafirma importantes diretrizes do Direito Sucessório contemporâneo:
O testamento não é um terreno para nulidades automáticas; é um espaço de respeito à autonomia privada.
Testemunhas instrumentárias não se submetem às regras do art. 228 CC.
A capacidade do testador é presumida, e sua ausência deve ser comprovada de forma técnica e contemporânea.
O valor indicado como estimativa do patrimônio não restringe a liberalidade.
A vontade do testador é o eixo interpretativo da sucessão testamentária.
Trata-se de mais um passo do STJ contra o formalismo exagerado e em defesa da efetividade da autonomia da vontade, protegendo a liberdade de testar, o mais pessoal dos atos jurídicos.









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