top of page

Destituição do Poder Familiar: Quando a Proteção da Criança Prevalece Sobre o Vínculo Biológico

  • Foto do escritor: Thais Marachini
    Thais Marachini
  • há 4 dias
  • 4 min de leitura

Destituição do Poder Familiar: Quando a Proteção da Criança Prevalece Sobre o Vínculo Biológico

 

A destituição do poder familiar é uma das medidas mais graves previstas no ordenamento jurídico brasileiro, pois implica a perda da autoridade parental e do direito de convivência com o filho. Todavia, quando os pais deixam de cumprir os deveres mínimos de cuidado, proteção e educação, o Estado, por meio do Poder Judiciário, tem o dever de intervir em defesa do princípio do melhor interesse da criança.


Nesse contexto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Recurso Especial nº 1.631.840/MS, reafirmou a possibilidade de destituição do poder familiar quando há descumprimento injustificado dos deveres parentais e submissão dos filhos a ambiente nocivo e degradante, ainda que sob o manto do vínculo biológico.

 

2. O caso concreto


O processo teve origem em ação de destituição do poder familiar ajuizada pelo Ministério Público Estadual contra o genitor e duas genitoras, diante de provas de maus-tratos, promiscuidade sexual, incesto e descuido extremo com as crianças.


As provas demonstraram que o lar era um ambiente de violência física e psicológica, marcado por agressões, autoritarismo e negligência com as necessidades básicas dos menores.


O Tribunal local manteve a sentença que retirou o poder familiar, e a defesa de uma das genitoras recorreu ao STJ alegando cerceamento e ausência de risco atual às crianças.


O recurso foi negado, sendo mantida a destituição.


3. A fundamentação do STJ


O Ministro Raul Araújo, relator do caso, destacou que a manutenção do poder familiar deve sempre se pautar pela preservação do melhor interesse da criança, mas que esse princípio não pode servir de escudo para a perpetuação de contextos abusivos e violentos.


A decisão ressaltou que, apesar de a legislação priorizar a manutenção da criança com sua família natural (art. 19 do ECA), essa convivência somente é legítima quando o ambiente familiar é sadio, protetivo e livre de abusos.


O STJ reafirmou que a destituição é cabível quando comprovado o abandono afetivo e material, os maus-tratos e o descumprimento dos deveres de sustento, guarda e educação (art. 1.638 do Código Civil e art. 22 do ECA).


“Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:

I - castigar imoderadamente o filho;

II - deixar o filho em abandono;

III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;

IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.

V - entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção. 

Parágrafo único. Perderá também por ato judicial o poder familiar aquele que: 

 I – praticar contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar: 

 a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte, quando se tratar de crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher;

b) estupro ou outro crime contra a dignidade sexual sujeito à pena de reclusão; 

 II – praticar contra filho, filha ou outro descendente: (Incluído pela Lei nº 13.715, de 2018)

a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte, quando se tratar de crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher; 

b) estupro, estupro de vulnerável ou outro crime contra a dignidade sexual sujeito à pena de reclusão.”

 

“Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda, convivência, assistência material e afetiva e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.:    Parágrafo único.  A mãe e o pai, ou os responsáveis, têm direitos iguais e deveres e responsabilidades compartilhados no cuidado e na educação da criança, devendo ser resguardado o direito de transmissão familiar de suas crenças e culturas, assegurados os direitos da criança estabelecidos nesta Lei.”  

 

Além disso, o Tribunal destacou que a revisão do conjunto fático-probatório é vedada em sede de recurso especial, nos termos da Súmula 7/STJ, motivo pelo qual a decisão das instâncias ordinárias foi mantida.

 

 

4. A proteção integral e o ciclo de violência


Um ponto central do julgamento foi a constatação de que a genitora recorrente não conseguiu romper o ciclo de violência familiar, nem oferecer suporte emocional e moral aos filhos.


O acórdão enfatiza que o vínculo biológico não pode prevalecer sobre o dever de proteção e afeto, pois a omissão materna também é forma de violência.


Essa compreensão está alinhada ao artigo 227 da Constituição Federal, que impõe à família, à sociedade e ao Estado o dever de assegurar, com absoluta prioridade, a dignidade e a segurança da criança.


Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão


Conclusão


A decisão do STJ reforça que o poder familiar é uma função de cuidado e não um privilégio parental.


Quando os pais violam os deveres legais e morais de proteção, o Estado deve intervir de forma firme, garantindo que a criança seja acolhida em ambiente seguro e emocionalmente estável.

A destituição do poder familiar não é uma punição aos genitores, mas um instrumento de proteção integral à infância, que reafirma a supremacia dos direitos fundamentais da criança sobre qualquer outro interesse.


 Referência:


STJ – REsp nº 1.631.840/MS, Rel. Min. Raul Araújo, 4ª Turma, j. 14/03/2017, DJe 27/03/2017.

Fundamentação: arts. 22, 24 e 129 do ECA; art. 1.638 do Código Civil; art. 227 da Constituição Federal.

 

Comentários


©2021 por Advogada Thais Marachini

bottom of page