A Usucapião Familiar: Análise do Artigo 1.240-A do Código Civil
- Thais Marachini
- 22 de out.
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Resumo
O presente artigo analisa o instituto da usucapião familiar, previsto no artigo 1.240-A do Código Civil, que permite a aquisição da propriedade do imóvel residencial pelo cônjuge ou companheiro que o mantém exclusivamente após dois anos de abandono do lar pelo outro. Examina-se os fundamentos jurídicos, requisitos legais e implicações sociais deste mecanismo de proteção.
Palavras-chave: Usucapião Familiar, Direito de Família, Abandono do Lar, Propriedade, Código Civil
1. Introdução
A usucapião familiar, introduzida no Código Civil como artigo 1.240-A, representa significativa inovação no direito brasileiro. O instituto surge como resposta à necessidade de proteção do cônjuge ou companheiro que permanece na residência familiar após o abandono injustificado pelo outro, consolidando-se como importante instrumento de segurança jurídica e realização da função social da propriedade.
2. Fundamentação Legal e Requisitos
O artigo 1.240-A do Código Civil estabelece os seguintes requisitos cumulativos para a configuração da usucapião familiar:
2.1. Imóvel residencial: Deve tratar-se de imóvel destinado à residência da família;
2.2. Abandono do lar: É necessário que um dos cônjuges ou companheiros tenha abandonado o lar;
2.3. Posse exclusiva: O autor deve manter a posse exclusiva do imóvel por período igual ou superior a dois anos;
2.4. Não oposição: Ausência de oposição do cônjuge ou companheiro durante o período da posse.
3. Natureza Jurídica e Fundamentação
A usucapião familiar caracteriza-se como modalidade de usucapião especial de natureza objetiva, cujo fundamento reside no princípio da função social da propriedade e na proteção da entidade familiar.
Conforme ensina Carlos Roberto Gonçalves (2022), "a usucapião familiar tem por escopo proteger o vínculo existente entre a pessoa e o imóvel que serviu de residência à família, consolidando a situação fática gerada pelo abandono do lar".
4. O Conceito de Abandono do Lar
Elemento central para a configuração da usucapião familiar, o abandono do lar caracteriza-se pela ruptura injustificada da vida em comum, com o desinteresse pelo lar e pela família.
Conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
"O abandono do lar configura-se pela ausência de ânimo de retorno e pelo desinteresse pela vida em comum, não se confundindo com o mero afastamento temporário" (REsp 1.785.321/RS).
5. Procedimento e Ônus Probatório
A usucapião familiar exige ação judicial própria, na qual o autor deverá comprovar:
5.1. A existência da relação familiar;
5.2. O efetivo abandono do lar pelo réu;
5.3. A posse exclusiva e ininterrupta pelo período legal;
5.4. A destinação do imóvel à moradia familiar.
6. Impactos Patrimoniais e Familiares
6.1. Extinção do Condomínio: A sentença que reconhece a usucapião familiar extingue o condomínio sobre o imóvel, conferindo a propriedade exclusiva ao usucapiente;
6.2. Superação do Regime de Bens: O instituto opera independentemente do regime de bens adotado pelo casal, por tratar-se de aquisição originária;
7. Jurisprudência Aplicada
Os tribunais brasileiros têm aplicado o instituto com base nos seguintes entendimentos:
7.1. Prazo de Computação: O prazo de dois anos inicia-se da data do efetivo abandono do lar, não dependendo de prévia declaração judicial de abandono;
7.2. Prova do Abandono: A comprovação do abandono pode ser feita por qualquer meio idôneo, incluindo testemunhas, documentos e fatos notórios;
7.3. Exclusividade da Posse: É essencial a demonstração de que o autor manteve o imóvel exclusivamente, arcando com suas despesas e conservação.
8. Análise Crítica e Avanços
8.1. Proteção Efetiva: O instituto representa importante avanço na proteção do cônjuge economicamente mais vulnerável;
8.2. Previsibilidade: Oferece segurança jurídica ao estabelecer prazo certo para a consolidação da situação possessória;
8.3. Prevenção de Litígios: Contribui para a pacificação social ao resolver situações de incerteza possessória.
9. Conclusão
A usucapião familiar consolida-se como importante instrumento de realização da justiça social e da função social da propriedade. Ao proteger o vínculo estabelecido entre o cônjuge que permanece no lar e o imóvel que serviu de base para o projeto familiar comum, o instituto demonstra a sensibilidade do legislador às dinâmicas familiares contemporâneas.
A aplicação adequada do artigo 1.240-A do Código Civil exige, contudo, análise cuidadosa de cada caso concreto, com especial atenção à comprovação do efetivo abandono do lar e da posse exclusiva, garantindo que o instituto cumpra sua finalidade social sem abrir espaço para situações de injusto enriquecimento.









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